As águas transparentes do Caribe não conseguem mais esconder a tragédia ambiental que se passa dentro delas. Poucos metros abaixo da superfície, os recifes de coral da região - assim como os do resto do mundo - estão cada vez mais ameaçados. Estudos indicam que quase 20% dos ecossistemas recifais do mundo já foram exterminados nas últimas décadas pela poluição, pesca predatória e outros impactos trazidos pelo homem. Outros 15% correm sério risco de morrer nos próximos 10 a 20 anos, segundo o último relatório sobre o Estado dos Recifes de Coral do Mundo, produzido em 2008.
O Caribe é a região mais impactada, com 14% de seus recifes já mortos e outros dois terços ameaçados de alguma forma por atividades humanas.
No lugar de ecossistemas altamente dinâmicos e diversificados, repletos de vida multicolorida, o que se vê hoje em muitos mergulhos são paisagens moribundas, delineadas por esqueletos de calcário em que pequenas "manchas" de coral vivo lutam para sobreviver em meio a uma invasão de algas e outros organismos oportunistas. Entre os sobreviventes, muitos estão doentes. E as coisas só devem piorar daqui para frente com o aumento da temperatura e a acidificação da água, efeitos do aquecimento global (mais informações na página ao lado).
"Estamos numa emergência. A situação, que já era crítica sem as mudanças climáticas, tende a ficar muito pior", diz a especialista em biologia marinha Nancy Knowlton, do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsonian, em Washington. A perda global de cobertura coralínea (porcentual de coral vivo sobre os recifes) nos últimos 30 anos, segundo ela, foi de 60%. No Caribe a redução chega a 80%.
Mesmo em lugares considerados "de baixo risco", os sinais de degradação são evidentes. A reportagem do Estado visitou a ilha de Bonaire, parte das Antilhas Holandesas, no sul do Caribe, onde supostamente estão alguns dos recifes de coral mais bem preservados da região. O que se vê debaixo d"água é uma mistura de beleza e destruição. Um ecossistema sufocado. Corais mortos e doentes por todos os lados. Paredões inteiros cobertos por algas. E quase nenhum grande peixe à vista.
Inventários locais indicam que mais da metade da cobertura coralínea de Bonaire já desapareceu nos últimos 20 anos, talvez para sempre. "Tenho pena dos mergulhadores que chegam aqui e acham isso lindo", diz o matemático Genady Filkovsky, que colabora com um projeto voluntário de monitoramento da água na ilha. "Só acham isso porque não viram como era antes."
O problema, segundo pesquisadores locais, é simples: poluição. Bonaire tem cerca de 14 mil habitantes (mais alguns milhares de turistas), nenhuma fonte de água potável e nenhuma estação de tratamento de esgoto. Toda a água usada na ilha é retirada do mar e dessalinizada para consumo humano.
Os efluentes são lançados em fossas, que são drenadas para um aterro público no interior da ilha, sem impermeabilização. Inevitavelmente, o líquido penetra no solo poroso (de origem coralínea) e volta para o oceano. "A água sai do mar limpa e salgada e retorna suja e doce", resume Albert Bianculli, presidente da Fundação Seamonitor, responsável pelo projeto de monitoramento.
Em 1999, ondas de até 5 metros criadas pelo furacão Lenny danificaram gravemente os ecossistemas de águas rasas (até 10 metros de profundidade) de Bonaire. Em condições normais, os corais seriam capazes de se recuperar e recolonizar os recifes. Por causa dos "nutrientes" lançados na água pelo esgoto (principalmente fósforo e nitrogênio), porém, quem tomou conta do lugar foram as algas.
"Corais são animais que gostam de águas claras, com muita luz e poucos nutrientes", explica a bióloga Rita Peachey, da Estação de Pesquisa CIEE, há três anos em Bonaire. Ela explica que o esgoto funciona como um fertilizante para as algas, que crescem muito mais rápido do que os corais: 1 centímetro por semana, versus 1 centímetro por ano.
Uma vez que as algas se fixam no recife é quase impossível despejá-las enquanto houver excesso de nutrientes na água. "A alga vence sempre", diz Bianculli. Os corais acabam marginalizados e encurralados em sua própria casa.
O problema é exacerbado pela ausência do ouriço preto de espinho longo (Diadema antillarum), espécie que era o principal herbívoro dos recifes caribenhos até 1983, quando foi quase exterminada por um evento de mortandade em massa. Sem os ouriços, sobraram só os peixes-papagaios para comer as algas que competem com os corais. "Se não fosse por esses peixes, estaríamos em sérios apuros", diz Rita.
Outra pista do desequilíbrio ambiental em Bonaire é a proliferação do caramujo língua-de-flamingo, um molusco que se alimenta de gorgônias e outros tipos de corais "moles" (parecidos com plantas). Segundo Rita, até alguns anos atrás, um mergulhador ficava feliz de ver dois ou três desses belos moluscos durante um mergulho. Agora, é fácil encontrar 30 ou até mais animais devorando um mesmo coral. A causa mais provável é o sumiço dos predadores naturais do caramujo, como as garoupas, cujas populações diminuíram drasticamente por causa da sobrepesca.
Quem anda marcando presença em Bonaire nos últimos meses é um outro predador, de origem asiática: o peixe-leão. Muito bonito, muito agressivo, e muito indesejado. Trata-se de uma espécie invasora, provavelmente trazida pela água de lastro de navios e que, se não for controlada, poderá ser transformar numa praga.
Nenhum desses problemas é exclusivo de Bonaire. Pelo contrário, a ilha é classificada como uma das mais "saudáveis" do Caribe. Um mau presságio para os recifes que garantem a sobrevivência de milhões de peixes e pessoas na região.
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