sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Farmacologia da neurotransmissão dopaminérgica

A dopamina (DA) é um neurotransmissor catecolamínico que atua como alvo terapêutico para alguns dos distúrbios importantes do sistema nervoso central (SNC), incluindo a doença de Parkinson e a esquizofrenia. A DA também é um precursor dos outros neurotransmissores catecolamínicos, a norepinefrina e a epinefrina. O mecanismo envolvido na neurotransmissão das catecolaminas possui diversos componentes, que são compartilhados entre os membros da classe, incluindo enzimas de biossíntese e metabólicas. Existem também componentes que são especializados para membros individuais da classe, incluindo bombas de recaptação e receptores pré-sinápticos e pós-sinápticos. Este capítulo apresenta os princípios subjacentes aos tratamentos atuais das doenças que envolvem, direta ou indiretamente, alterações na neurotransmissão dopaminérgica. O capítulo começa com uma discussão da bioquímica e da biologia celular da neurotransmissão dopaminérgica e localização dos principais sistemas DA no cérebro. Uma vez fornecida essa base de conhecimentos, o capítulo explora a fisiologia, a fisiopatologia e a farmacologia da doença de Parkinson, que resulta da perda específica de neurônios em um desses sistemas DA, e da esquizofrenia, que é atualmente tratada, em parte, com fármacos que inibem a neurotransmissão dopaminérgica.

n Caso

Mark S, um homem de 5 anos de idade, procura o seu médico depois de perceber um tremor na mão direita, que apareceu gradualmente nesses últimos meses. Constatou que ele consegue manter a mão imóvel enquanto se concentra nela, mas que o tremor reaparece rapidamente se ele se distrai. Sua caligrafia tornou-se pequena e difícil de ler, e ele está tendo dificuldade em usar o mouse do computador. A esposa queixa-se de que ele deixou de sorrir e que o seu rosto tornou-se inexpressivo. Declara também que o marido está andando mais lentamente e que tem dificuldade em acompanhar o ritmo com que ela anda. Ao vê-lo entrar no consultório, o médico do Sr. S percebe que está andando curvado, com marcha curta e desajeitada. Ao exame físico, o médico constata que o Sr. S apresenta aumento do tônus e rigidez em roda dentada nos membros superiores, particularmente do lado direito; além disso, é significativamente mais lento do que o normal na execução de movimentos alternados rápidos. O médico conclui que os sinais e os sintomas do Sr. S mais provavelmente representam os estágios iniciais da doença de Parkinson e prescreve então uma prova terapêutica de levodopa.

n 1. De que maneira a perda seletiva de neurônios dopaminérgicos resulta em sintomas como aqueles observados no Sr. S? n 2. Qual deverá ser o efeito da levodopa sobre a evolução da doença do Sr. S? n 3. Como a resposta do Sr. S à levodopa irá se modificar com o decorrer do tempo? n 4. A levodopa constitui a melhor escolha para o Sr. S nesse estágio da doença?

Farmacologia da Neurotransmissão Dopaminérgica | 167

A dopamina pertence à família de catecolaminas de neurotransmissores. Além da dopamina, essa família inclui a norepinefrina (NE) e a epinefrina (EPI). Como o próprio nome sugere, a estrutura básica das catecolaminas consiste em um catecol (3,4-diidroxibenzeno) conectado a um grupo amina por uma ponte etil (Fig. 12.1A). No Cap. 7, foi discutido que as vias catecolaminérgicas no cérebro possuem uma organização de “fonte única-divergente”, uma vez que surgem de pequenos grupos de neurônios catecolaminas, que dão origem a projeções amplamente divergentes. As catecolaminas do SNC modulam a função da neurotransmissão de ponto a ponto e afetam processos complexos, como humor, atenção e emoção.

O aminoácido neutro tirosina é o precursor de todas as catecolaminas (Fig. 12.1B). A maior parte da tirosina é obtida da dieta, e uma pequena proporção também pode ser sintetizada no fígado a partir da fenilalanina. A primeira etapa na síntese de DA consiste na conversão da tirosina em L-DOPA (l-3,4- diidroxifenilalanina ou levodopa) por oxidação da posição 3 no anel de benzeno. Essa reação é catalisada pela enzima tirosina hidroxilase (TH), uma ferro-enzima (que contém ferro) constituída de quatro subunidades idênticas, tendo, cada uma delas, cerca de 60 kDa. Além do Fe2+, o TH também necessita do co-fator tetraidrobiopterina, que é oxidada a diidrobiopterina durante a reação. É importante assinalar que a oxidação da tirosina a l-DOPA é a etapa que limita a velocidade na produção não apenas da DA, mas também de todos os neurotransmissores da família das catecolaminas.

A próxima e última etapa na síntese de DA consiste na conversão da l-DOPA em DA pela enzima aminoácido aromático descarboxilase (AADC). A AADC cliva o grupo carboxila do carbono  da cadeia lateral de etilamina, liberando dióxido de carbono. A AADC requer o co-fator fosfato de piridoxal. Embora a AADC seja algumas vezes designada como “DOPA descarboxilase”, é indiscriminada na sua capacidade de clivar grupos carboxila dos carbonos  de todos os aminoácidos aromáticos e está envolvida na síntese de transmissores não-catecóis, como a serotonina. A AADC é abundante no cérebro. É expressa por neurônios dopaminérgicos, mas também está presente em células não-dopaminérgicas e na glia. Além disso, a AADC é expressa em quase todos os tipos celulares do corpo.

Nos neurônios dopaminérgicos, o produto final da via de síntese das catecolaminas é a dopamina. Nas células que secretam a catecolamina NE, a DA é convertida em NE pela enzima dopamina -hidroxilase. Em outras células, a NE pode ser convertida subseqüentemente em epinefrina pela feniletanolamina N-metiltransferase. Os neurônios dopaminérgicos carecem de ambas as enzimas, porém é importante ter em mente toda a via de biossíntese das catecolaminas, visto que a manipulação farmacológica da biossíntese de DA também pode alterar a produção de NE e de EPI. Para uma discussão mais completa das últimas duas etapas na síntese de NE e EPI, ver o Cap. 9.

A DA é sintetizada a partir da tirosina no citoplasma do neurônio e, a seguir, é transportada no interior de vesículas secretoras para armazenamento e liberação (Fig. 12.2). São necessárias duas bombas moleculares separadas para o transporte da DA nas

NH2 HO

NH2 HO

NH2HO HO

HO NH2

Núcleo de catecol

Tirosina

Tetraidrobiopterina O2, Fe2+Tirosina hidroxilase

Dopamina

Norepinefrina Epinefrina

L-aminoácido aromáticodescarboxilase Fosfato de piridoxal

Dopamina β-hidroxilaseÁcido ascórbico O2, Cu2+

FeniletanolaminaN-metiltransferaseS-adenosilmetionina

Fig. 12.1 Síntese das catecolaminas. A. As catecolaminas consistem em um núcleo de catecol com uma cadeia lateral de etilamina (grupo R). O grupo R é a etilamina na dopamina, a hidroxietilamina na norepinefrina e a N-metil-hidroxietilamina na epinefrina. B. A dopamina é sintetizada a partir do aminoácido tirosina através de uma série de reações em etapas. Nas células que contêm dopamina -hidroxilase, a dopamina pode ser ainda convertida em norepinefrina; nas células que também contêm feniletanolamina N- metiltransferase, a norepinefrina pode ser convertida em epinefrina.

vesículas sinápticas. Uma ATPase de prótons concentra prótons na vesícula, criando um gradiente eletroquímico caracterizado por pH intravesicular baixo (isto é, concentração elevada de pró-

Transportador de -aminoácidos aromáticos

Tirosina Tirosina

continue lendo em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAABCOoAL/farmacologia-neurotransmissao-dopaminergica