segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A obsessão do ponto G

Agora uma pesquisa diz que ele não existe – mas a busca continua. Afinal, a quem interessa a existência dessa Shangri-La do prazer feminino?

Fernanda Colavitti
Montagem sobre fotos
Parem os GPS e as bússolas, é inútil continuar a busca. O ponto G – aquele paraíso mítico dos prazeres, Ilha da Fantasia dos orgasmos múltiplos – não existe, segundo os autores do mais recente estudo sobre o tema (sim, mais um...), publicado na revista científica Journal of Sexual Medicine e divulgado na semana passada. Para chegar a essa triste conclusão, os pesquisadores do King’s College, de Londres, basearam-se em um questionário com 1.804 gêmeas de idades entre 23 e 83 anos. Todas responderam a perguntas gerais a respeito de sua vida sexual e a várias perguntas específicas sobre percepção do ponto G. O objetivo dos cientistas era estabelecer um fato fisiológico. Se uma irmã afirmasse que tinha ponto G, a outra (sendo idêntica) deveria dar a mesma resposta. Mas isso não aconteceu. Mais da metade das respostas não bateu. Conclusão dos pesquisadores: não há evidência de que o ponto G seja uma área anatômica.

Então é isso? Fim da discussão? O ponto G pode entrar oficialmente na lista das causas perdidas, em companhia de óvnis, abomináveis homens das neves e das ruínas de Atlântida? Oficialmente, não. O estudo britânico foi imediatamente contestado por outros especialistas, e seus autores, com a humildade de exploradores perdidos, recomendam que as pesquisas prossigam, desta vez com tecnologia de ultrassom. Isso significa que virão novos estudos, seguidos pelos mesmos debates inconclusivos, aos quais se seguirão contestações e admissões de falhas. Enfim, a busca continua.

Passados 59 anos desde que o ginecologista alemão Ernst Gräfenberg formulou a existência dessa zona erógena feminina (o G do ponto é uma homenagem a ele), fica cada vez mais difícil entender o empenho médico e científico em localizar uma parte do corpo feminino que reluta em se revelar. De acordo com Gräfenberg, essa região corporal seria localizada no interior da vagina, a cerca de 4 centímetros de sua entrada superior, na altura aproximada do clitóris. Mas, assim como ocorre com o Eldorado e Shangri- -La, os mapas têm se revelado enganosos. Os pesquisadores procuram há anos e nunca acharam nada capaz de constar num livro de anatomia. Por que então a obsessão com o assunto? A resposta mais comum é que serviria a todo mundo – mulheres e homens – se fosse achado um botão orgânico que proporcionasse orgasmos vaginais, o Santo Graal da sexualidade feminina. A ginecologista Carolina Ambrogini Carvalho, da Universidade Federal de São Paulo, discorda. “A sexualidade das mulheres já é bastante complicada. A maioria ainda está tentando conseguir algum orgasmo. Falar de um superorgasmo de ponto G só aumenta a ansiedade delas”, afirma a médica. O.k., mas, se não são as mulheres as beneficiárias da busca pelo ponto G, quem são? “É uma pergunta que sempre me faço”, diz a geneticista Andrea Burri, uma das autoras do estudo britânico com as gêmeas. “Algumas pessoas estão em busca de mais conhecimento sobre a complicada sexualidade feminina, mas outras claramente têm interesses comerciais. Esse pode ser um mercado muito lucrativo”, afirma.

Shere Hite dizia que o ponto G é uma conspiração masculina em defesa da penetração

O cirurgião plástico Murillo Caldeira Ribeiro trouxe dos Estados Unidos uma técnica para aumentar o ponto G. Ele diz que aplica injeções de colágeno na localização exata do ponto G. Mas como, se ninguém ainda conseguiu provar que tal região existe? “A polêmica está no nome, não na região física, que está muito bem descrita. Consigo detectar por meio do toque e de um aparelhinho”, diz. A aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária da marca de colágeno usada por Ribeiro expirou em 2006 e nunca foi liberada como produto médico injetável. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica também não reconhece a técnica. Ainda assim, 75 mulheres já pagaram R$ 3 mil pela promessa de conseguir chegar ao orgasmo por meio da ampliação de seu ponto G – ainda que somente por um ano, quando o produto deve ser reaplicado. Entre elas está a estudante paulistana Elisabete, de 29 anos. Ela afirma que só conseguia ter orgasmos quando se masturbava e que seu marido se queixava de ela nunca chegar lá com a penetração. A estudante ficou sabendo da técnica oferecida por Ribeiro em uma revista e, por estímulo do marido, submeteu-se ao procedimento. Ficou muito satisfeita com os resultados. “Agora consigo ter orgasmos sempre que transo com meu marido”, diz.

Para alguns especialistas, a obsessão feminina pelo orgasmo vaginal – um conceito freudiano muito criticado, segundo o qual haveria dois tipos de orgasmo, sendo mais prazeroso o obtido com a penetração – é um dos grandes impulsionadores da histeria em torno do ponto G. As mulheres, frequentemente cobradas pelos homens, querem chegar ao clímax durante a penetração (e se possível rapidamente), como acontece nos filmes de Hollywood e também agora nas minisséries brasileiras. Tal desejo levou a sexóloga e feminista americana Shere Hite, autora do famoso Relatório Hite, de 1976, a formular a teoria conspiratória de que o ponto G seria uma invenção masculina para justificar a penetração, pois as mulheres não teriam necessidade dela para obter prazer. “Concordo com a Shere Hite”, diz a sexóloga Mara Pusch. “A maioria dos defensores do ponto G é homem, o primeiro a descrevê- -lo foi um homem. Eles se sentem menos competentes quando a mulher não chega ao orgasmo com a penetração.”

Em defesa do ponto G, pode-se dizer que o clitóris, hoje considerado o ponto-chave da sexualidade feminina, também foi ignorado por séculos. Seu papel no prazer sexual das mulheres foi descrito pela primeira vez por um médico grego no século I, segundo o livro A história da V, da jornalista Catherine Blackledge. No entanto, por motivos sociais e religiosos, essa informação desapareceu em algum momento entre os séculos XVII e XX. Até 1968, os livros de anatomia ou ignoravam totalmente o clitóris ou reduziam- -no a um minúsculo ponto de tecido, sem maior importância. Somente em 1928 foi publicada a informação de que o órgão era muito maior do que se supunha. “Quando Gräfenberg descreveu a localização do ponto G, não havia tanto rigor nas pesquisas científicas”, diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade, do Hospital das Clínicas. “Ele provavelmente juntou o relato de algumas pacientes e generalizou o resultado.” Segundo Carmita, ele errou ao definir um ponto fixo e imutável para todas, mas acertou ao dizer que a mulher precisa ser estimulada intravaginalmente em uma posição sensível. “Cabe a cada uma encontrar seu ponto de maior sensibilidade, seu próprio ponto G”, diz.

Fonte: Época

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