quinta-feira, 23 de junho de 2011

Química em nossas vidas

Tudo isto é Química!
Tudo isto é Química!
Há a ideia generalizada de que o que é natural é bom e o que é sintético, o que resulta da acção do homem, é mau. Não vou citar os terramotos, tsunamis e tempestades, tudo natural, que não tem nada de bom, mas antes certas substâncias naturais muito más, como as toxinas produzidas naturalmente por certas bactérias e os vírus, todos tão na moda nestes últimos tempos.

Dos oito maiores venenos que existem, seis são naturais: a toxina A do butonilium, a toxina A do tétano, toxina da difteria, a ricina (do rícino), a muscarina (dos cogumelos) e a bufotoxina (dos sapos); destes, só o sarin (gás dos nervos, 8º lugar) e as dioxinas (5º lugar) é que são de origem sintética.

* Professor Catedrático jubilado do Departamento de Química da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Conselheiro do ciência Hoje para o Ano Internacional da Química.
Muitos alimentos contêm substâncias naturais que podem causar doenças, como por exemplo o Isocianato de alilo (alho, mostarda) que pode originar tumores, o benzopireno (fumados, churrascos) causador de cancro do estômago, os cianetos (amêndoas amargas, mandioca) que são tóxicos, as hidrazinas (cogumelos) que são cancerígenas, a saxtoxina (marisco) e a tetrodotoxina (peixe estragado) que causam paralisia e morte, certos taninos (café, cacau) causadores de cancro do esófago e da boca e muitos outros.
Podemos então dizer que “Quando um produto natural mata... É natural! Fica a consolação de se morrer... naturalmente”.

A má imagem da Química

A má imagem da Química resulta da sua má utilização e deve-se particularmente à dispersão de resíduos no ambiente (que levam ao aquecimento global e mudanças climáticas, ao buraco da camada de ozono e à contaminação das águas e solos) e à utilização de aditivos alimentares e pesticidas.

Quem não admira o fogo de artifício?
Quem não admira o fogo de artifício?
Muitos destes males são o resultado da pouca educação dos cidadãos. Quem separa e compacta o lixo? Quem entrega os medicamentos antigos nas farmácias? Quem trata os efluentes das vacarias e pocilgas? Quem deixa toda a espécie de lixo nas areias das nossas praias e matas? Quem usa e abusa do automóvel? Quem berra contra a incineração mas enche a sala de fumo, intoxicando toda a família? Quem não admira o fogo-de-artifício, que enche a atmosfera e as águas de metais pesados?

Há o hábito de utilizar a palavra “químicos” para designar substâncias de síntese, imprimindo-lhes um ar perverso, de substância maldita. Há tempos passou na TV um anúncio da DGS destinado a combater o uso do tabaco que dizia: “… o fumo do tabaco contém mais de 4000 substâncias químicas tóxicas, irritantes e cancerígenas…”.

Bastaria referir “substâncias”, mas teve de aparecer o adjectivo “químicas” para lhes dar um ar mais tenebroso. Todas as substâncias, naturais ou de síntese, são “químicos”! Todas as substâncias, naturais ou de síntese, podem ser prejudiciais à saúde! Tudo depende da dose.

Qualquer dia aparecerá uma notícia na TV referindo, logo a seguir às tricas dos dirigentes e jogadores de futebol, que “A água, substância com a fórmula molecular H2O, foi o químico responsável por muitas mortes nas nossas praias”… por falta de cuidado! Porque os Químicos, os que trabalham em Química, determinaram as estruturas e propriedades destas substâncias, haverá razão para lhes chamar “substâncias químicas”?

Estamos a ser envenenados pelos muitos “químicos” que invadem as nossas vidas?

Quando olhamos à nossa volta dificilmente encontramos algo que não tenha resultado de processos químicos. Embora muito do progresso da nossa Sociedade se deva à Química, é habitual realçar-se mais a parte negativa que resulta de uma má utilização da Química, difundindo-se a ideia de que o que é natural é bom e o que é sintético (a que chamam “os químicos”) é mau. Será mesmo assim?
A ideia de que o cancro está a aumentar devido a estes “químicos” é desmentida pelos números (vide gráficos), à excepção do fumo do tabaco, que é a maior causa de aumento do cancro do pulmão e vias respiratórias. O aumento da longevidade acarreta necessariamente um aumento do número de cancros. Curiosamente, o tabaco é natural e estas 4000 substâncias químicas tóxicas, irritantes e cancerígenas… resultam da queima das folhas do tabaco. A reacção de combustão não foi inventada pelos químicos; vem da idade da pedra, quando o Homem descobriu o fogo.

O número de cancros das vias respiratórias na mulher só começou a crescer a meados dos anos 60, com a emancipação da mulher (Luta das mulheres pelo mesmo direito ... a morrer!) . É o tipo de cancro responsável pelo maior número de mortes nos Estados Unidos.

Não é verdade que as substâncias de síntese (os “químicos”) sejam uma causa importante de cancro; isto sucede somente quando há a exposição a altas doses (pequenos grupos, ocupacionais).

As maiores causas de cancro são o fumo do tabaco, o excesso de álcool , certas viroses , inflamações crónicas e problemas hormonais. A melhor defesa é uma dieta rica em frutos e vegetais.

Substâncias cancerígenas

Consideram-se cancerígenas as substâncias que causam cancro na espécie humana ou em duas espécies de mamíferos. A classificação de “cancerígeno” resulta de estudos populacionais (comparando a ocorrência de cancros em populações expostas e populações não-expostas a certos agentes) e estudos em animais.

Aumento da esperança de vida no mundo ocidental
Aumento da esperança de vida no mundo ocidental
É o caso da ocorrência de cancros no fígado em operários expostos a cloreto de vinilo e a amianto e cancros no estômago devido ao consumo intensivo de fumeiros (presença de benzopireno).

Os estudos em animais realizam-se normalmente com populações pequenas, utilizando doses elevadas das substâncias a ensaiar.

Começam-se por realizar estudos com bactérias, como no teste de Ames, em que se avalia a capacidade da substância para causar mutações (alteração da sequência de bases no DNA) que são causadoras de cancros, modificações genéticas e problemas de fertilidade. Há vários tipos de testes mas só cerca de 90% das substâncias cancerígenas em humanos dão resultado positivo num dado teste.

Nenhum dos testes actualmente utilizados é perfeito e, por isso, realizam-se usualmente testes diferentes sobre a mesma substância. As substâncias com capacidade de provocar mutações são posteriormente ensaiadas em mamíferos, posteriormente sacrificados para análise dos órgãos atingidos.

Há alguns anos, metade das substâncias testadas (naturais e sintéticas) em roedores deram resultado positivo em alguns testes de cancerigenidade, o que pode resultar do uso de doses muito elevadas. Muitos alimentos contêm substâncias naturais que dão resultado positivo, como é o caso do café torrado.

Evolução da incidência de cancros nos homens nos EUA (clique para ampliar)
Evolução da incidência de cancros nos homens nos EUA (clique para ampliar)
Embora um estudo realizado por Michael Shechter, do Instituto do Coração de Sheba, Israel, mostrasse que a cafeína do café tem propriedades antioxidantes, actuando no combate a radicais livres diminuindo o risco de doenças cardiovasculares e alguns tipos de cancro, a verdade é que, há meia dúzia de anos, só 3% dos compostos existentes no café tinham sido testados.

Das 30 substâncias testadas no café torrado, 21 eram cancerígenas em roedores e faltava testar cerca de um milhar! Vamos deixar de tomar café? Certamente que não. O que sucede é que a Química é hoje capaz de detectar e caracterizar quantidades minúsculas de substâncias, o que não sucedia no passado. Como se disse, o veneno está na dose e estas substâncias estão presentes em concentrações demasiado pequenas para causar danos.

Um caso recente foi a polémica sobre o uso do adoçante aspartame, dado que o grupo do Dr. Morando Sofritti, da Fundação Ramazzini (Bolonha) verificou que o adoçante era cancerígeno em roedores (2005-2006). O caso foi reanalisado por um painel de especialistas da EFSA (European Food Safety Autority), do US National Cancer Institute e do US National Toxicology Program que concluiu que não há razões para alterar a posição que vinha sendo adoptada (dose diária admitida de 40 mg por kg de massa corporal que, para um indivíduo de 70 kg, é de 2,8 g).

Se se utilizar aspartame três vezes por dia, colocando 3 pastilhas por chávena, a dose total é de 0,18 g, que é cerca de 15 vezes menor que a dose diária máxima admitida.

Há meia dúzia de anos só 3% dos compostos existentes no café tinham sido testados
Há meia dúzia de anos só 3% dos compostos existentes no café tinham sido testados
O aspartame é um éster metílico do dipéptido derivado dos aminoácidos naturais fenilalanina e ácido aspártico e, por hidrólise no nosso organismo, origina os dois aminoácidos e metanol. Só não pode ser ingerido por pessoas com intolerância à fenilalanina. A tabela apresenta uma comparação das quantidades de produtos da hidrólise do aspartame derivados de uma lata de refrigerante e de várias porções de alimentos, mostrando que o frango, o leite e o sumo de tomate ainda originam maiores quantidades destes produtos.

Os aditivos alimentares e os pesticidas

Os aditivos alimentares e os pesticidas são outra fonte de preocupação da sociedade. Os aditivos alimentares aumentam a qualidade, disponibilidade e segurança dos alimentos, a preços acessíveis. Destinam-se a evitar que os alimentos se estraguem por acção de bactérias, fungos, bolores, fermentos e reacções químicas, para aumentar o seu valor nutritivo (adição de vitaminas, minerais e outros), para preservar as suas propriedades físicas (agentes anti-caking, emulsionantes, etc.) e para os tornar mais atractivos (cor e sabor).

Os aditivos utilizados legalmente são seguros, pois tanto nos EUA como na UE há um controlo permanente e rigoroso dos aditivos autorizados (e respectiva dose admitida), com reavaliações em caso de necessidade.

Quantidades dos produtos de hidrólise do aspartame e de alimentos tradicionais
Quantidades dos produtos de hidrólise do aspartame e de alimentos tradicionais
Certas pessoas têm o hábito de verificar se os produtos comerciais têm muitos ou poucos EEE, encarando estes EEE como sinais de perigosidade. A letra E refere-se a Europa e os números que lhe estão associados indicam o produto em particular.

Tudo isto está inventariado e controlado a nível da UE. Todos nós respiramos uma mistura de uma parte de E948 e cinco partes de E941, expiramos E290, usamos objectos de E174 e E175 e polvilhamo-nos com E553b. O E270 existe no iogurte (ácido láctico), o E300 nos citrinos (ácido cítrico), o E307 no azeite (vitamina E), o E300 em muitos frutos (vitamina C) e o E260 no vinagre (ácido acético). São estes os exemplos mais vulgares destes terríveis EEE…

Os pesticidas naturais (armas de defesa das plantas) são em número muito maior que os pesticidas de síntese.
Os pesticidas naturais (armas de defesa das plantas) são em número muito maior que os pesticidas de síntese.
Os pesticidas naturais (armas de defesa das plantas) são em número muito maior que os pesticidas de síntese. Os resíduos de pesticidas de síntese nos vegetais são insignificantes (se usados de acordo com as instruções) comparados com os resíduos de pesticidas naturais (e produtos da sua decomposição). Nos EUA, cada pessoa ingere diariamente grama e meio de pesticidas naturais, cerca de dez mil vezes mais do que a quantidade ingerida de pesticidas de síntese.

O argumento de que os pesticidas naturais são mais inofensivos devido à evolução, não tem fundamento. Na realidade, muitas substâncias naturais, presentes através da evolução, provocam o cancro; as defesas do organismo não distinguem as substâncias naturais das sintéticas, o Homem não habita a Terra há tempo suficiente para se estabelecer uma harmonia com as substâncias naturais e muitos dos alimentos actuais (café, chá, batata, tomates, kiwis, …) são relativamente recentes.

Todos concordam que o importante é consumir abundantes quantidades de frutos e vegetais
Todos concordam que o importante é consumir abundantes quantidades de frutos e vegetais
Segundo o Prof. B. Ames, Professor de Bioquímica na Universidade da Califórnia (Berkeley), os riscos devidos a resíduos de pesticidas (naturais e de síntese), nas exposições médias verificadas, são mínimos. Não vale a pena gastar muito dinheiro a eliminar quantidades mínimas de pesticidas (os actuais métodos analíticos encontram tudo …), tornando os vegetais mais caros e menos acessíveis. Independentemente de consumirmos alimentos produzidos localmente, alimentos “orgânicos” ou alimentos convencionais, todos concordam que o importante é consumir abundantes quantidades de frutos e vegetais.

Isto compensa qualquer risco associado à possível presença de pequenas quantidades de pesticidas. Tenham muito cuidado com as adubações por meio de estrumes naturais …

1 comentários:

Anônimo disse...

estes alimentos são muito gostosos