A fotossíntese pode até parecer um processo simples, mas não é. Em sua coluna de maio, Carlos Alberto dos Santos fala das lacunas no conhecimento sobre esse fenômeno e de como entendê-lo poderia ajudar a aumentar a eficiência do uso da energia solar.
Estrutura da enzima fotossistema II, responsável pela quebra da molécula de água, que resulta na produção de elétrons e prótons. O surgimento dessa enzima na Terra é considerado o “big bang da evolução”. (imagem: Curtis Neveu/ CC BY-AS 3.0)
O título, extraído de textos do bioquímico britânico James Barber, refere-se ao surgimento na Terra, há aproximadamente dois bilhões de anos, de um dos componentes do processo de fotossíntese.
Se você não é especialista do ramo, provavelmente vai dizer que a clorofila é a responsável pela cor verde da vegetação. Isso é apenas uma parte da história desse fenômeno, que é responsável por todas as formas de vida em nosso planeta.
Expresso em termos gerais, a fotossíntese aparenta ser muito simples. Ao incidir sobre a folha de uma planta, a luz solar produz uma reação fotoquímica, tendo água e gás carbônico como reagentes e oxigênio e glicose como produtos da reação. É o início da produção de biomassa.
Mas bastam umas poucas perguntas sobre detalhes do processo e logo se descobre sua complexidade. Não é por nada que mais de três séculos depois de sua descoberta, a fotossíntese continua desafiando nossa inteligência para entender muitos de seus aspectos.
No início do mês, a prestigiosa revista Science publicou artigo assinado por 18 pesquisadores de famosas universidades de vários países com o único objetivo de comparar cálculos de eficiência na fotossíntese e nos sistemas fotovoltaicos, uma tarefa tão difícil quanto necessária para o desenvolvimento tecnológico da energia solar.
Uma parte da dificuldade em calcular a eficiência energética da fotossíntese reside na falta de conhecimento detalhado do processo. Um alerta contundente para algumas lacunas nesse conhecimento foi dado recentemente por Marco Sacilotti e colaboradores do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Não resta mais dúvida de que o mecanismo da fotossíntese é controlado pela mecânica quântica. No entanto, a literatura atual não apresenta elementos quantitativos ou mesmo qualitativos para justificar essa hipótese, afirmam os pesquisadores da UFPE ao propor modelos para sanar essa dificuldade.
Uma das principais deficiências dos modelos atuais é a falta de uma boa compreensão das forças que determinam o movimento de cargas elétricas positivas e negativas no interior dos sistemas fotossintetizantes.
Eficiência natural
Se por um lado o tratamento quântico da fotossíntese tem muito a evoluir – o que representa um vasto campo de trabalho para biólogos, físicos e químicos –, por outro, o cenário geral do processo já está bem estabelecido.
Não há mais questionamento na literatura sobre a natureza inicial do processo, que ocorre quando a luz solar atinge a clorofila e outros pigmentos fotossensíveis presentes nas folhas de plantas e algas.
A energia absorvida nessa interação é transferida para uma enzima estruturalmente complexa, conhecida como fotossistema II (PSII, na sigla em inglês). O surgimento dessa enzima na Terra é considerado o “big bang da evolução”.
Pesquisadores acreditam que procedimentos de engenharia genética possam contribuir para aumentar a eficiência energética de sistemas naturais
Ela é responsável pela quebra da molécula da água, que resulta na produção de elétrons e prótons por meio de um processo termodinâmico com eficiência de aproximadamente 70% na conversão da energia associada à luz solar incidente em energia armazenada nas ligações químicas dos produtos formados.
Para se ter ideia do quão alta é essa eficiência, basta compará-la com os 18% da mais eficiente célula solar disponível hoje comercialmente. Todavia, até chegar ao estágio energético utilizável, os sistemas naturais dissipam energia sob diferentes formas e, ao final, a eficiência teórica não ultrapassa 4,5%, e os melhores resultados experimentais não ultrapassam 3%.
Biólogos, físicos e químicos que trabalham na área acreditam que procedimentos de engenharia genética possam contribuir para aumentar essa eficiência. Uma possibilidade seria alargar artificialmente a faixa do espectro solar absorvido por pigmentos fotossensíveis.
É que os sistemas naturais captam apenas luz na faixa visível para realizar a fotossíntese. Então, se for possível manipular esses materiais para incluir pigmentos absorvedores de outras faixas, a eficiência poderá ser maior, na medida em que mais energia será captada para a mesma intensidade de radiação solar.
Física quântica & biologia sintética
O processo inverso da fotossíntese é a fotorrespiração, produzida pela ação de oxigênio sobre glicose, que libera energia sob a forma de água e gás carbônico. A fotorrespiração chega a consumir até 25% da energia inicialmente armazenada na fotossíntese.
Para enfrentar essa limitação, a natureza desenvolveu em algumas plantas a fotossíntese C4, na qual o gás carbônico é fixado em um ácido com quatro átomos de carbono. O resultado disso é que ao apresentar maior eficiência na fixação do gás carbônico e pequena perda de água, as plantas C4 praticamente dispensam a fotorrespiração. Já existem pesquisas em andamento na tentativa de incorporar materiais fotossintetizantes do tipo C4 em plantas nas quais inexistem esses componentes.
Outras opções consideradas pela engenharia genética encontram-se em estudo, e as mais instigantes têm a ver com o uso tecnológico dos conceitos da teoria quântica para o estabelecimento da biologia sintética.
O amadurecimento das ferramentas teóricas e experimentais da biologia e da física chegou ao ponto de aplicação das ideias lançadas no início dos anos 1940 pelo físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961), que ao referir-se aos organismos multicelulares disse que sua “singular engrenagem não é de grosseira manufatura humana, mas a mais requintada obra-prima já conseguida pelas leis da mecânica quântica”.
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